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idades, crise, felicidades, prazeres, tempo e 30 anos.

O HOMEM DUPLICADO

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Entra em cartaz nos cinemas do país nesta sexta-feira O HOMEM DUPLICADO (ENEMY, 2014), do diretor Denis Villeneuve baseado no romance de José Saramago. Villeneuve transforma a obra de Saramago em um thriller psicológico cuja grande ameaça é o encontro consigo mesmo.

Adam (Jake Gyllenghaal) é um professor universitário em crise. Triste e desanimado com a vida, ele aceita uma sugestão completamente maluca de um conhecido: alugar um DVD para assistir. De repente, Adam vê no filme um ator que é idêntico a ele e desde então o segue obsessivamente para descobrir quem é esta pessoa. Ao mesmo tempo que Adam enfrenta o terror de se encontrar com o outro, uma aranha passeia por todo o filme.

Alguns elementos típicos de Saramago estão lá: uma situação insólita, mas que só é tratada como anormal por quem sofre as consequências dela; uma cidade com cara de desolação; uma mulher que é o pilar moral da história e um homem que se coloca como um frágil vaso de cristal bambeando sobre este pilar. Causa sempre estranheza ver como este vaso balança a ponto de quase cair se o pilar parece estar tão fixo e seguro, mas assim é também com Maria e José, Jesus e Maria Madalena, em O evangelho segundo Jesus Cristo, e o oftalmologista e a mulher do oftalmologista, em Ensaio sobre a cegueira, para citar alguns exemplos. A única coisa que fez falta foram as ironias tão engraçadas de Saramago.

Jake Gyllenhaal está estupendo na interpretação dos dois personagens. Fisicamente idênticos, a diferença entre eles é sutil e perceptível, mas nem por isso tira a nossa dúvida o tempo inteiro se estamos vendo o professor ou o ator. Como um homem à beira de uma crise de nervos, dominado pela mãe e sem empolgação nenhuma com a vida, quase nem acreditamos que Adam está tão apavorado quanto desejoso de encontrar seu outro eu.

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Aparte de tentar entender o porquê da existência de alguém igual a ele – se é clonagem, dupla personalidade ou simplesmente criação de uma mente em crise -, pensar em ver a si próprio de fora, é algo que realmente assusta. Saramago teve a ideia do livro ao se olhar no espelho enquanto se barbeava e – assim como a maçã que caiu em Isaac Newton – esta situação deu um clique, despertando-o para as possibilidades caso este evento realmente acontecesse. Fugir e buscar o seu “eu” é uma situação quase cotidiana para todo mundo. Não tem como eu não pensar que este blog às vezes serve de espelho que reflete, noutras da imagem que eu quero refletir. É a busca da minha identidade e reflexão de todas as possibilidades da vida. O sempre atraente e algumas vezes paralisante “e se…”.

Para piorar, Villeneuve nos apresenta dois “eus” em crise e, após o medo de se verem face a face, a possibilidade da experimentação, da troca, logo surge. No entanto, diferentemente das famosas trocas de gêmeos (Paola x Paulina, Ruth x Raquel), os termos da transação são bem mais profundos e egoístas, quase inaceitáveis, não estivéssemos tratando de seres humanos e de uma história de José Saramago.

Ao final, descobrimos que encarar a nós mesmos nos dá a chance de mudar, nos dá escolhas, fazer diferente. Essa é a visão positiva da história e se o filme fosse baseado em algum best seller americano a coisa provavelmente teria parado por aí. Contudo, não é o caso. Acabamos por ver que só ter o poder para mudar não quer dizer que acontecerá. Há um eterno inimigo a espreita que nos diz ao ouvido: “tu és quem tu és, portanto assim o serás” – assim falou a aranha.

5 comentários em “O HOMEM DUPLICADO

  1. Andrés Rodríguez Ibarra
    2 de julho de 2014

    muito bom! você escreve muito bem e creio que vimos o filme de forma muito parecida. agora estamos em contato, que bom!

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  2. samia forte
    22 de julho de 2014

    O fato é que para o bom leitor um livro do Saramago nunca basta!!! Não se consegue ler esse Senhor e ficar de bobeira, sem refletir!!! E esse desafio de se conhecer é uma viagem incrível. Já disse Drummond, o Carlos de Andrade, ” …por o pé no chão do seu coração, explorar- se….”. Vai que eu não gosto do que encontro? É sempre um risco.

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  3. Douglas Milhomem de Melo
    29 de setembro de 2014

    Não tive a oportunidade de ler o livro. Mais tive de assistir o filme baseado na história!
    No filme não aponta, como é possível a coincidência dos dois… e qual o sentido da aranha?

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    • Ítalo Damasceno
      29 de setembro de 2014

      Oi Douglas,

      em primeiro lugar, obrigado por ter comentado no meu blog.

      Agora quanto a suas perguntas, bom o filme realmente não explica porque eles são iguais, assim como nem o livro. eles apenas são e tudo fica muito vago no motivo.

      No livro também não tem a aranha e eu já li que ela seria uma metáfora para a maternidade, para o mal que existe dentro do personagem, ou representando uma loucura dele. Não sei se você é leitor da revista Veja, mas lá a crítica de cinema diz que ele apenas não quis afirmar nada com a aranha, mas que ela causa um mal estar em quem assiste e que o real objetivo dela é este.

      Na minha opinião, ele apenas colocou aquelas cenas com a aranha para que a gente ficasse buscando criar um sentido para ela, mas que não necessariamente haja um sentido certo e outro errado. Dá para cada um criar o seu.

      Te convido a conhecer e curtir também a página do blog no facebook, caso você tenha um perfil lá.

      Abraços.

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Informação

Publicado às 20 de junho de 2014 por em Filmes, Livros e marcado , , , .